A próxima Conferência do Clima, em novembro, no Egito, deve ser marcada por pressão em torno do cumprimento das promessas climáticas. Para Brasil, encontro global repercutirá definição das urnas, em outubro.
Com a conclusão do livro de regras do Acordo de Paris na COP26, o trabalho se concentrará agora na implementação para uma ação climática ambiciosa e alinhada com 1,5°C. O 6º Relatório de Avaliação do IPCC (AR6) fornece uma compreensão mais profunda e detalhada da ciência das mudanças climáticas e dos impactos cada vez mais disruptivos em todas as regiões de um mundo em aquecimento. Segundo o relatório, temos diante de nós uma estreita janela de oportunidade de três anos para interromper o aumento das emissões de gases de efeito estufa no mundo a fim de alcançarmos o limite de aquecimento global de 1,5°C.
Para isso, é preciso uma ação imediata dos governos, e a conservação da Amazônia tem papel central nos resultados globais. Vale destacar que o povo brasileiro já tem sofrido nos últimos anos com as consequências da crise climática: enchentes devastadoras, que tiram vidas, destroem casas, comércios e lavouras; e secas históricas, que afetam a produção e provocam o aumento de queimadas. O cenário, que já é caótico, pode piorar se continuarmos no mesmo rumo.
No Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, implementar significa “pôr em execução, fazer o implemento de; efetuar, executar, fazer”. Para nós, implementação neste ano deve ser pelo cumprimento das promessas e dos compromissos já realizados, como a Declaração sobre Florestas e Uso da Terra, o Compromisso Global de Metano (ambos assinados na COP26), ou mesmo atingir e superar o objetivo de US$ 100 bilhões dos países desenvolvidos este ano.
Ao mesmo tempo, para a COP em Sharm El Sheik, no Egito, devemos encontrar novas maneiras de cooperação, com a implementação de ações concretas para todos os setores relevantes, como, por exemplo, sistemas alimentares, energia, transporte, resíduos, áreas urbanas, oceanos e áreas costeiras, aproveitando ao máximo as oportunidades apresentadas pelas soluções baseadas na natureza e o envolvimento de povos indígenas e comunidades locais.
Por fim, embora o foco na implementação em escala seja urgente, os países terão paralelamente de manter “um olho no peixe e outro no gato”. Ou seja, executando ações imediatas, definindo as de médio e longo prazo, apresentando seus planos e metas para a próxima rodada de NDCs, com metas mais ambiciosas para 2030 e metas para 2035, aprofundando seus planos de descarbonização de longo prazo.
E o Brasil nisso tudo?
As eleições presidencial e legislativas de 2022 serão um momento determinante para o meio ambiente do Brasil e do mundo. Em meio à emergência climática, são urgentes as medidas que reduzam as emissões de gases de efeito estufa e que ampliem a biodiversidade e a conservação natural, único modo de termos um planeta habitável nas próximas décadas. Na contramão, o atual governo do país tem adotado um projeto sem sentido de destruição do Cerrado e da Amazônia e de extermínio de seus povos.
O Brasil, que por décadas foi uma importante voz nas negociações internacionais pelo clima e no desenvolvimento de políticas de conservação, nos últimos anos retrocedeu em suas políticas ambientais. A recente gestão federal demonstrou leniência com crimes ambientais, desrespeito às comunidades tradicionais e à biodiversidade e descompromisso diante da crise climática mundial.
A gestão iniciada em 2019 foi a primeira da história da redemocratização a ver três altas sucessivas no desmatamento da Amazônia em um mandato e a única a ter um ministro do Meio Ambiente afastado por suspeita de crime ambiental. Em 2021, o Brasil foi líder na perda de florestas tropicais do mundo, respondendo sozinho por 40% da derrubada registrada em todo o mundo, o equivalente a 1,5 milhão de hectares. Isso significa enorme redução de biodiversidade e tem importante impacto no aumento das emissões de gases de efeito estufa, que atingem todo o mundo.
Quando a COP27 começar, em novembro, já teremos definido o processo eleitoral e há dois cenários possíveis: um de continuidade e outro de mudança.
No primeiro caso, é provável que se consolide a perda de espaço do Brasil em assuntos que costumávamos liderar como florestas e REDD+, e que sejamos vistos como um país que preferiu ficar no século XX, ao invés de olhar como e onde ocorrerá o desenvolvimento das próximas décadas. Nosso agronegócio, que se modernizou a partir da década de 1970, será vislumbrado como aquele que fomenta desmatamento e degradação ambiental, causando profundas consequências principalmente para as populações vulnerabilizadas e marginalizadas da sociedade, como a população negra, as mulheres e as comunidades indígenas e tradicionais.
Num cenário de mudança haverá um lufo de esperança de que um novo governo combata o desmatamento e implemente políticas para eliminar a conversão de nossos biomas até 2030, adotando políticas justas de conservação e restauração do meio ambiente que protejam os direitos das populações vulnerabilizadas. Destaca-se que o respeito às regras de licenciamento ambiental e o desenvolvimento de cadeias justas de produção podem colocar o Brasil em um lugar privilegiado na economia mundial, ampliando as parcerias comerciais com a União Europeia e com os países da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), assim como são eixos para reduzir a fragilidade de nosso mercado diante de crises de abastecimento globais e ampliar o controle nacional sobre a segurança alimentar da população.
Nessa guinada de trajetória, o Brasil poderá voltar a ser um ator relevante na agenda global do clima e usar sua relevância e seu potencial ambiental para se destacar entre as grandes potências do mundo. Isso só acontecerá se o país tiver em seu comando políticos que entendam a urgência da crise climática e que tenham a justiça socioambiental como eixo central de seus programas.
Alexandre Prado, Responsável por Mudanças Climáticas no WWF-BR