Cálculos da iniciativa Clima & Desenvolvimento indicam que país não cumprirá metas estabelecidas no Acordo de Paris se próximo governo não fizer mudanças radicais na agenda ambiental.
A continuidade das atuais políticas ambientais do governo brasileiro nos últimos quatro anos, que aceleraram o ritmo de desmatamento no país, faria o Brasil ultrapassar em 137% o limite do volume de emissões de gases de efeito estufa (GEE) assumido pelo país no Acordo de Paris e na Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês), com prazo fixado em 2030. O atual modelo também levaria o desmatamento da Amazônia ao arriscado índice de 25%, limite para o que os especialistas apontam como risco de savanização da maior floresta tropical do mundo: se a devastação da floresta não for interrompida, áreas verdes podem se perder sem a possibilidade de recuperação.
As conclusões são do estudo científico “Cenário Continuidade”, desenvolvido por pesquisadores do Centro de Estudos Integrados Sobre Meio Ambiente e Mudanças Climáticas (Centro Clima) do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe), da UFRJ, como parte da iniciativa Clima & Desenvolvimento – uma articulação em prol de um novo projeto de desenvolvimento nacional apoiado na economia de baixo carbono. A iniciativa foi idealizada pelo Instituto Clima e Sociedade (iCS), Instituto Talanoa e Centro Clima.
Os pesquisadores trabalharam duas hipóteses de cenários* de continuidade. No primeiro, o crescimento do desmatamento segue o ritmo do período 2018-2021 nos biomas Amazônia, Cerrado e Mata Atlântica e se estabiliza em 2026. No segundo, o desmatamento nestes biomas continua crescendo no mesmo ritmo até 2030.
Sem realizar a transição para uma economia de baixo carbono, o país não só descumpre pela primeira vez o compromisso assumido com a comunidade internacional, perdendo o protagonismo que já teve nos fóruns mundiais, mas também deixa de qualificar seu desenvolvimento socioeconômico e de se tornar mais competitivo na corrida climática global. O impacto negativo pode resultar em mais desemprego, desigualdade e pior qualidade de vida da população.
A permanência das atuais políticas ambientais da esfera federal – ou a ausência de ações efetivas – potencializa os riscos para a sobrevivência da Floresta Amazônica. O estudo leva em conta que o desmatamento do bioma passou de 754 mil hectares em 2018 para 1,3 milhão de hectares em 2021. Isso representa uma elevação média de 183 mil hectares por ano.
A manutenção deste ritmo potencializaria até o ponto de não retorno, o que vários especialistas apontam como risco de savanização da floresta, com consequências graves não só para o meio ambiente no Brasil, especialmente recursos hídricos, mas para todo o planeta. A continuidade da devastação observada nos últimos quatros anos levaria a Floresta Amazônica a um desmatamento acumulado de quase 20 milhões de hectares no período 2022-2030, elevando sobremaneira as emissões brasileiras dos gases de efeito estufa.
Na conta das termoelétricas
O documento também analisa os setores uso da terra, agricultura, energia, transportes, indústria e resíduos. Em relação ao setor de energia, os pesquisadores apontam o aumento das emissões de GEE caso se concretize a implantação de 8 GW de termelétricas a gás natural a ciclo combinado. É uma decorrência da Lei de Privatização da Eletrobras, com seu aumento no custo e nas emissões da geração elétrica até 2030.
O estudo também projeta o panorama de desaceleração da penetração de biocombustíveis no setor de Transportes, devido à postergação dos prazos de aumento das metas de descarbonização impostos às distribuidoras de combustíveis líquidos para o setor de transportes terrestres.
O impacto do desmatamento é o cálculo mais preocupante. Os pesquisadores consideraram duas hipóteses de taxas de desmatamento. Em ambos os cenários, as políticas públicas adotadas no período de 2019 a 2022 indicam a retomada do crescimento das emissões de GEE. Desta forma, acarretam o não cumprimento dos compromissos assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris, através de sua Contribuição Nacionalmente Determinada: 37% de redução das emissões totais do país até 2025 e 50% até 2030, com relação ao nível de 2005, de 2,6 Gt (bilhões de toneladas) de CO2eq.
Neste Cenário de Continuidade, as emissões de GEE prosseguem na tendência de aumento registrada de 2019 a 2022, atingindo 2,2 GtCO2eq em 2025, apenas 13% abaixo do nível de 2005 – aquém da meta de redução de 37% em relação a 2005, o ano base. Em 2030, as emissões de GEE atingem 2,4 GtCO2eq no Cenário de Continuidade 1 – apenas 5% abaixo do nível de 2005 – e 3,0 GtCO2eq no Cenário de Continuidade 2 – 19% acima do nível de 2005. Nos dois cenários, comparadas às metas da NDC de abril de 2022 assumidas no Acordo de Paris, as emissões de GEE ficam 39% acima da meta de 2025. Em 2030, os dois cenários se diferenciam: no cenário onde a partir de 2026 o desmatamento para de crescer, as emissões ficam 91% acima da meta (-50% que no ano-base). No quadro mais alarmante, com o desmatamento crescendo até o final da década, o descumprimento da meta de 2030 extrapola 137%**].
“Será necessária uma reversão da tendência crescente das emissões de GEE do país para se poder cumprir as reduções prometidas na NDC brasileira até 2025 e 2030, e colocar a economia no rumo de alcançar emissões líquidas zero em 2050, objetivo último do Acordo de Paris, com o qual o Brasil se comprometeu. Para isso, é decisivo conter a elevação e reduzir as taxas anuais de desmatamento, principalmente na Amazônia”, afirmam os pesquisadores no documento.
Cenário Mitigação
O relatório traz também o Cenário de Mitigação (dividido em duas hipóteses, CMA1 e CMA2), elaborado pela iniciativa Clima & Desenvolvimento em 2021 e apresentado na COP26, em Glasgow, no ano passado. O documento apresenta estratégias para a retomada do desenvolvimento socioeconômico, com transição justa para o alcance da neutralidade climática do país em 2050. Assim, a trajetória de emissões de GEE seguida até 2030 é compatível com o objetivo geral do Acordo de Paris de alcançar emissões líquidas zero em 2050. São dois os pontos fundamentais:
• Radical redução do desmatamento e aumento de sumidouros de carbono: no CMA1 e no CMA2, a área anual desmatada em 2023 é 17% superior à de 2019. Após 2023, no CMA1, entre 2023 e 2025 é simulada uma queda de 10%. Entre 2026 e 2030 há uma redução de 34%. Já no CMA2, os biomas Amazônia e Mata Atlântica atingem desmatamento zero em 2030, e os demais biomas uma redução de 20%, em relação a 2023, rumo ao desmatamento zero em todos os biomas em 2050.
• Precificação do carbono, abrangendo uma parte das emissões de GEE: o uso de energia fóssil e de processos/produtos industriais (IPPU); a precificação se faz de duas formas: um mercado de cotas comercializáveis de emissões para o setor industrial; e uma taxa de carbono sobre as emissões do uso de combustíveis fósseis nos demais setores da economia, crescendo anualmente até atingir 9,5 US$/tCO2e em 2025 e 19 US$/tCO2e em 2030.
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* Nesses cenários, para os biomas Amazônia, Cerrado e Mata Atlântica os valores de área desmatada são os mesmos no período 2022- 2026. No Cenário Continuidade 1, há um aumento linear anual de 2022 a 2026, ou seja a emissão de 2022 corresponde à soma da área desmatada em 2021 mais o aumento médio anual do período 2018-2021 e assim sucessivamente até 2026, último ano com crescimento de emissões. A área desmatada em 2026 fica constante até 2030. Já no Continuidade 2 esse aumento médio anual do período 2018-2021 continua até 2030. Para os demais biomas, os valores atuais são constantes até 2030.
** Considerando os valores de 2005 do Quarto Inventário Brasileiro de Emissões de GEE.