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Um planeta saudável para o bem-estar humano

Por Mercedes Bustamante*

Embora as relações entre a qualidade ambiental e o bem-estar humano estejam hoje bem documentadas na literatura científica, há a necessidade de apresentar tal interdependência de forma mais clara e acessível para a sociedade.

Uma pesquisa recente do Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica) sobre as preocupações da população brasileira apontou que 94% dos brasileiros reconhecem que a situação ambiental do país é um problema. No detalhamento, os temas mais citados foram desmatamento (60%), poluição das águas (51%) e queimadas (42%).

No entanto, somente 4% dos entrevistados listaram o meio ambiente entre os nossos três piores problemas. Em segundo lugar nessa lista, na percepção da população brasileira, depois do desemprego, está a saúde. Nesse contexto, é instrumental abordar as profundas interações entre os problemas ambientais e a saúde humana. O bem-estar das pessoas está diretamente conectado à saúde do planeta.

Os últimos relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) apontam claramente que a mudança climática é uma questão de saúde humana. Por exemplo, as recentes e catastróficas enchentes no Paquistão estão sendo seguidas de surtos de dengue e outras doenças associadas à inundação. Outro exemplo são as ações de mitigação das mudanças climáticas que levam à redução de poluentes associados ao efeito estufa, e geram assim enormes benefícios para a saúde e a economia.

Quando falamos em saúde humana, podemos considerar três dimensões: o ambiente natural, o ambiente construído e o ambiente social. Aqui, me concentro em alguns aspectos relacionados aos ambientes natural e social.

A biodiversidade é um componente crítico do meio ambiente. As milhões de espécies da Terra influenciam uma ampla gama de processos ambientais. No entanto, a biodiversidade está distribuída de forma desigual, concentrando-se principalmente na faixa tropical do Hemisfério Sul. São precisamente as regiões tropicais que estão perdendo habitats e espécies rapidamente. Mesmo áreas protegidas, uma das estratégias mais utilizadas para conservar a natureza, estão atualmente sob ameaça principalmente devido à expansão das atividades humanas e à alteração do clima.

A ciência mostra que o risco de novas doenças infecciosas é elevado em regiões tropicais florestadas que sofrem mudanças no uso da terra. O controle do desmatamento é, assim, central para evitar o surgimento de novas pandemias.

A perda da biodiversidade, mais a degradação dos ecossistemas e as mudanças substanciais nos serviços ecossistêmicos estão impulsionando o surgimento de estudos sobre resiliência, ou seja, a capacidade de um sistema se recuperar após estresse ou distúrbio.

Um estudo recente, usando a produtividade primária como indicador, apontou que 29% dos biomas terrestres e 24% dos ecossistemas marinhos em todo o mundo mostram sinais de perda de resiliência. Há uma demanda urgente por abordagens adequadas de gerenciamento de ecossistemas para responder à questão fundamental sobre como aumentar a resiliência e reduzir a vulnerabilidade a distúrbios.

Aqui, é preciso considerar o papel central do capital social e, em particular, dos povos indígenas e comunidades tradicionais. A diversidade biológica não pode ser conservada sem diversidade cultural. A segurança alimentar é um componente essencial da saúde e do bem-estar humanos. Povos indígenas e comunidades agrícolas tradicionais mantêm uma parte significativa da agrobiodiversidade dentro de paisagens agrícolas por meio de várias formas de manejo de recursos.

Há, ainda, o conhecimento medicinal desses povos. As línguas indígenas ameaçadas transmitem saberes únicos sobre plantas medicinais. O desaparecimento de povos, suas línguas e seus conhecimentos únicos está acontecendo agora mesmo e diante de nossos olhos. Recentemente, por exemplo, foi noticiada a morte do último indivíduo de uma etnia da Terra Indígena Tanaru, na Amazônia brasileira.

Os conceitos e as práticas atuais de desenvolvimento são parte substancial dos problemas que hoje enfrentamos globalmente. Sua resolução demanda repensar o entendimento de desenvolvimento.

Nesse cenário, o Brasil abriga importantes ativos ambientais e sociais de relevância global: diversidade biológica, diversidade cultural e significativos estoques de carbono em seus ecossistemas. Eles podem representar oportunidades em uma nova agenda de desenvolvimento, que conecte a saúde humana e ambiental, e assegure a conservação de ecossistemas sob pressão de degradação.


*Mercedes Bustamante é professora da Universidade de Brasília e membro do Grupo Estratégico da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. Foi coautora do capítulo sobre “Agricultura, silvicultura e outros usos da terra” do 6º Relatório do Grupo de Trabalho III (Mitigação) do IPCC