Se o anúncio de um fundo inédito para financiamento de perdas e danos pode ser
comemorado, falta dizer quem vai pagar a conta, quando e quanto. E cumprir.
Na agenda climática, descarbonização e adaptação à mudança do clima são palavras-chave.
Outra palavra igualmente importante é financiamento. Resolver a crise climática custa
dinheiro e alguém tem que pagar por isso. Na COP 27, finalmente entrou para a pauta das
negociações o financiamento para compensar as perdas e danos dos países vulneráveis em
decorrência de impactos climáticos. Mas promessas de financiamento pelos países
desenvolvidos vêm sendo continuamente frustradas, e quando disponível, esse
financiamento não chega a quem precisa. Precisamos de mais garantias sobre os fluxos e a
efetividade do financiamento climático.
Dentre os jargões das negociações climáticas, um outro termo usado para isso é “meios de implementação”. Essencialmente a premissa é de que países desenvolvidos vão prover meios de implementação – como recursos financeiros, tecnológicos e de capacitação – para que os países em desenvolvimento possam promover medidas de mitigação e adaptação. Para países vulneráveis, recursos para adaptação climática são cruciais para que consigam lidar com
problemas como escassez hídrica, salinização da água, aumento do nível das águas costeiras e prevenção de desastres climáticos.
Na mitigação, financiamento climático é o que permite que esses países possam usar fontes alternativas de geração de energia e manter suas florestas em pé, quando as economias locais
são muitas vezes baseadas na queima do carvão e na derrubada de florestas para expansão
agrícola.
Além disso, países em desenvolvimento recebem apoio internacional para fortalecer suas
instituições e elaborar políticas públicas de mudanças climáticas, assim preparando os
governos locais para enfrentar a crise climática com propriedade e perenidade. Mas um campo até então não abrangido como linha de financiamento era indenização pelas perdas e danos sofridos pelos países vulneráveis com a mudança do clima. Antes da COP do Egito, esse tipo de problema normalmente ficava contido na esfera da assistência internacional em casos de desastres climáticos, em eventos como ciclones, tufões e tempestades. Ocorre que nem sempre as perdas e danos climáticos são causadas por eventos extremos como esses.
Os danos também são manifestados após o decurso de tempo da exposição gradual e lenta a
fatores climáticos contínuos, levando ao derretimento de geleiras, à perda de fertilidade do
solo, à salinização da água potável e até mesmo ao afundamento de ilhas, causando a
necessidade de deslocamentos de comunidades e populações inteiras. Mesmo quando o financiamento é disponibilizado pelos países desenvolvidos, por meio dos
fundos climáticos do Acordo de Paris (o Green Climate Fund e Global Environment Facility),
muitas vezes os países que mais necessitam não conseguem acessar os recursos, por causa das
burocracias e informações que precisam ser prestadas no processo. Ou seja, países vulneráveis
precisam de suporte inclusive para poder pleitear suporte de acordo com as regras do jogo.
O volume de financiamento necessário para atender somente a demanda de mitigação
climática nos países em desenvolvimento foi mensurado em torno de $5.9 trilhões de dólaresaté 2030, segundo o relatório de “Determinação das Necessidades dos Países em
Desenvolvimento para cumprimento do Acordo de Paris”, elaborado pelo Comitê Permanente
de Finanças da Convenção do Clima. O problema é: quem vai pagar? O Acordo de Paris diz que
os países “desenvolvidos” devem mobilizar financiamento para os países “em
desenvolvimento”, mas não individualiza quanto cada país deve mobilizar. A palavra
“mobilizar” também sugere que eles não têm a obrigação de exatamente destinar recursos, a
partir de fundos públicos, mas que devem promover as articulações necessárias para que esse
financiamento seja provido.
Essas ambiguidades acabam dando margem para que se possa chamar de financiamento
climático recursos não-adicionais, reciclados de outras finalidades, e também fontes de
recursos atrelados a empréstimos, que acabam por endividar ainda mais os países pobres,
agravando suas vulnerabilidades. Ainda assim, relatório da ONU também apontou que a promessa dos países desenvolvidos de mobilizar $100 bilhões ao ano até 2020 não foi cumprida. Na COP 27, iniciaram discussões sobre como estabelecer uma nova meta. Mas que garantias temos de que esta será cumprida? E assim também, que garantias temos de que o novo fundo de financiamento para perdas e danos climáticos terá recursos suficientes? É preciso haver um conceito claro sobre o que é
financiamento climático, indicadores e métricas para se determinar, mensurar e cobrar
resultados. E isso envolve também identificar oportunidades para utilização de recursos
privados e de instituições multilaterais.
Precisamos falar sobre o problema da falta de financiamento para o clima: seja a ausência de
recursos, seja o problema de acesso a ele, seja a falta de compreensão sobre o que ele é.
Mobilizar recursos para mitigação, adaptação e perdas e danos climáticos que sejam
suficientes, eficientes, acessíveis e disponibilizados de forma justa é o maior desafio da
humanidade hoje.
*Caroline Prolo é diretora executiva da LACLIMA – Latin American Climate Lawyers Initiative
for Mobilizing Action